O QUE APRENDI
Com o livro “Nómada”, de João Luís Barreto Guimarães, aprendi que não ler poesia regularmente é obliterar uma parte fundamental da experiência de ler e de viver.
Umas semanas mais tarde comprei “Sob a Forma do Silêncio”, do jovem poeta Emanuel Madalena, que li e reli com grande prazer, nomeadamente o curto poema “Dos Atalhos”, que já rabisquei com o meu próprio punho em diferentes blocos de notas, no espelho da casa de banho (escrevo isto com alguma vergonha…) e repito volta e meia como um mantra:
“Conseguir resolver o código do meu corpo e dizer o mundo fora dele.”
Mas voltemos a João Luís Barreto Guimarães, ao seu “Nómada” e ao poema “A hipótese do cinzento” em particular, que gosto de ler baixinho, sussurrando, como se partilhasse um segredo comigo mesma.
O que aprendi, ou melhor, o que ainda estou a aprender e a digerir com a ajuda deste poema, foi que na pessoa que sou por norma — tecnicolor (termo genialmente usado por Jorge Amado para descrever Tieta quando esta chega a Sant’Ana do Agreste sem envergar o luto esperado numa viúva recente), inconformada, desassossegada, extremada, espalhafatosa, reivindicativa, avessa ao morno, ao indefinido, ao brumoso — há também alguém que encontra conforto na hipótese de se diluir na turba. Porque se tudo o resto falhar, mas o instinto de sobrevivência persistir, há de facto esta hipótese de me liquefazer, de me esbater, de passar ainda mais despercebida, de não incomodar para não ser incomodada (como faz, curiosamente, Renée, personagem de ficção do livro que leio por este dias — A Elegância do Ouriço).
E daqui, desta assunção, deste “segredo” trazido à luz do dia, resulta uma sensação de alívio (que aceito melhor nos dias em que tudo isto não me parece uma cobardia). Exatamente como o alívio que sinto quando ouço a voz cavernosa de Adolfo Luxúria Canibal cantar:
“A hipótese do suicídio liberta-nos para a vida!”
O QUE TRANSPUS PARA A MINHA VIDA
Transpus a determinação em ler poesia mais regularmente. Já agora, estou em vias de escolher o próximo livro de poesia. Dou preferência a autores contemporâneos nacionais e aceito as vossas amáveis sugestões. E dispus-me a aceitar melhor o que há de paradoxal, contraditório em mim, um passo determinante para aceitar melhor o que há de incoerente nos outros, também.
Mas, como disse antes, se este exercício pode providenciar alívio, no que me diz respeito não busco apaziguar-me. Será que me faço entender ou isto acabou por ficar muito confuso?
A QUEM RECOMENDO
Recomendo a leitura d’ “A hipótese do cinzento” a todos os que acham que se conhecem muito bem.