BIBLIOTERAPIA | Um caminho para a paz

Há um ano fazia votos para que a leveza que sentia a cada leitura de “Tudo é Possível[1] fosse sentida também por vós em 2022. Não podia suspeitar que estávamos a dias do rebentar de uma guerra na Europa, da consequente calamidade humanitária e do agravar do custo de vida, dificuldades que vieram acumular-se aos traumas da pandemia e às demais vicissitudes do quotidiano.

“Até para uma optimista por natureza, está difícil manter o optimismo” — este foi, talvez, o meu desabafo mais frequente em 2022. Isto num ano que me proporcionou muitas alegrias e conquistas. A título estritamente pessoal não tenho queixas. Consegui, inclusive, alcançar a tal leveza e viver momentos de profunda serenidade. Quando? Sobretudo ao viajar e ao ler, actividades irmãs porque quando viajo, leio o mundo e quando leio, viajo sem sair do lugar. Foi com os livros — sessenta e seis ao todo — que pude libertar-me durante horas do peso da nossa realidade, respirar fundo e apaziguar-me.

A biblioterapeuta francesa Régine Detambel defende que o leitor, levado pela página, “escapa pelo menos temporariamente à angústia, à tristeza, quando as suas ruminações são capturadas pelas peripécias que a narrativa lhe impõe.” [2] No mesmo sentido o filósofo francês Michel de Montaigne escreveu: “Nunca tive um desgosto que uma hora de leitura não tivesse dissipado.”

Com estes raciocínios, nem Detambel nem Montaigne fazem a apologia da alienação, um argumento com o qual me provocam ao dizerem-me “Cuidado! Há vida para além dos livros”, como se o prazer de nos perdermos na leitura fizesse de quem lê muito uma espécie de morto-vivo. No tocante à Biblioterapia, escape e alienação são estados distintos — o escape é eminentemente benigno e alcançado por pessoas em princípio saudáveis; a alienação pode evidenciar uma patologia que exija a intervenção de um profissional de saúde.

Numa aparente oposição a Detambel e Montaigne vejo por vezes citar Franz Kafka, que em 1904 escreveu: “Acho que só devemos ler o tipo de livros que nos ferem e trespassam. Se o livro que estamos a ler não nos acorda com uma pancada na cabeça, por que o lemos? (…) nós precisamos de livros que nos afectem como um desastre, que nos magoam profundamente (…) Um livro tem de ser como um machado para quebrar o mar de gelo que há dentro de nós.”

Então, no que ficamos? Nos livros que permitem dissipar desgostos e escapar às angústias, tristezas e ruminações ou nos livros que nos ferem, trespassam, quebram e acordam? A verdade é que os primeiros não se opõem aos segundos: todos têm potencial catártico, isto é, a capacidade para suscitar e apaziguar emoções, o que resulta numa espécie de purga e na sensação de libertação, serenidade e harmonia própria de uma pessoa saudável.

Régine Detambel explica: “(…) a leitura dá acesso às mesmas emoções que ‘na vida real’. Mas como esta experiência é vivida pelo prisma duma representação estética, ela é desprovida de violência e dor (…)[3] A fruição estética constitui esta descarga apaziguadora que liberta o Homem da violência do real (…)”[4] ao mesmo tempo que o insere “(…) num movimento de reinterpretação do sentido do mundo (…) e lhe permite a aquisição de defesas psicológicas contra os acontecimentos (…).”[5]

Assim, ler ou ouvir ler uma boa história pode ser no mínimo um caminho para a paz individual. Mesmo quando as histórias provocam abanões que não deixam pedra sobre pedra, porque às vezes há raspagens (teóricas, filosóficas ou ficcionais) que são libertadoras. Sai-nos um peso das costas, enchemos de ar os pulmões, ganhamos fôlego e sentimo-nos capazes de perspectivar um outro presente e um outro futuro.

Para 2023, apesar de tudo, reitero os meus votos: que a paz esteja convosco e os bons livros e as boas histórias também. Como sublinha Irene Vallejo, “não nos esqueçamos de que a palavra ‘página’ partilha etimologia com ‘paz’”.[6]


[1]Tudo é Possível”, de Kobi Yamada e Gabriella Barouch, editora Zero a Oito, Lisboa 2021, ISBN 9789897767593

[2]Les Livres Prennent Soin de Nous”, de Régine Detambel, Babel Essai, França 2017, ISBN 9782330073091, pág. 20

[3] Ibidem, pág. 50

[4] Ibidem, pág. 37

[5] Ibidem, pág. 20

[6] “Manifesto Pela Leitura”, Irene Vallejo, Bertrand Editora, Lisboa 2021, ISBN 9789722541893, Pág. 49

18 livros com 100 a 150 páginas

Partilho uma nova lista com sugestões de leitura. Desta feita, seleccionei um conjunto de títulos que têm entre 100 a 150 páginas. Li-os a todos na íntegra e confirmo a qualidade de cada um, embora esteja consciente da subjectividade da minha avaliação.

Ao elaborar estas listas, continuo a pensar nas pessoas que não têm hábitos de leitura ou que consideram que lêem pouco e gostariam de melhorar esse aspecto das suas vidas. Naturalmente, quem já lê encontrará aqui, espero, motivos para persistir nesse bom hábito.

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24 livros até 100 páginas

Nos primeiros dias deste novo ano fui contactada por alguém que decidiu combater a preguiça (expressão sua) e abraçar a leitura em 2023. A pessoa em causa pediu-me sugestões de livros e eu lembrei-me de imediato das duas listas que aqui partilhei em tempos — “50 Pequenos Bons Livros” e “12 Pequenos Bons Livros” — e que acumulam mais de 100 mil visualizações.

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Tempo de balanços

Chego ao final do ano e constato que, de novo, pude usufruir de qualidade de vida dedicando-me em exclusivo a uma actividade que me apaixona e que é quase inédita na forma como a pratico em Portugal: a Biblioterapia. Sinto uma enorme gratidão por todas as pessoas e instituições que confiaram em 2022, e continuarão a confiar em 2023, no meu trabalho. A alegria e o privilégio de trabalhar para vós e convosco aliviam-me da responsabilidade que sinto.

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BIBLIOTERAPIA | Curso de introdução ao método

SINOPSE

Hoje entendemos o bem-estar do ser humano de forma global, sendo a saúde não apenas a ausência de doença, mas sim um estado de harmonia física, social, mental e espiritual. Para alcançar este equilíbrio cooperam várias áreas do conhecimento e a Biblioterapia — que explora a relação emocional e subjectiva que cada um/a estabelece com as histórias — tem vindo a demonstrar que colabora com eficácia no desenvolvimento e na harmonização do ser humano. Com o curso “Biblioterapia: ler para viver melhor” vamos ver como. E o “simples” acto de ler (ou ouvir ou ver histórias) nunca mais será a mesma coisa.

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2022 | Oficinas d’ A Biblioterapeuta

A Biblioterapeuta e a Bertrand Livreiros voltam a unir esforços em 2022 para, através de um conjunto de oficinas online (via Zoom), continuarmos a promover o livro, a literatura e os hábitos de leitura, ingredientes fundamentais para um melhor exercício da nossa cidadania e para vivermos globalmente de uma forma mais harmoniosa e saudável.

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