A título estritamente pessoal e profissional o ano de 2024 foi extraordinário e custou-me muito despedir-me dele.
Se ampliar a minha visão, se me descentrar do meu umbigo, é óbvio que 2024 foi um ano com contornos tenebrosos — a invasão da Ucrânia pela Rússia e a guerra que daí resulta parece não ter fim à vista; há um genocídio em curso em Gaza para o qual a maioria dos líderes mundiais está hipocritamente a borrifar-se (desculpem-me o português); o fosso entre pobres e ricos, as desigualdades e injustiças sociais e a exploração do ser humano pelo ser humano aumentaram (e depois perguntamo-nos por que razão andamos todos a adoecer tanto e cada vez mais cedo); e a temperatura média da atmosfera da Terra à superfície foi de 1,55 graus Celsius acima da média Pré-industrial, mas a vida segue como dantes, sobretudo sem que os principais responsáveis pela emissão de gases com efeito de estufa, que estão mais do que identificados!, sejam penalizados e travados. Este quadro valeu-me alguns momentos de profunda desesperança e melancolia.
Felizmente, tenho à minha volta algumas pessoas com preocupações semelhantes — ou sensibilidade para entendê-las — com quem me foi possível conversar sobre estas desilusões e angústias. E tive os livros, claro, fonte de conhecimento, alento e evasão. Em 2024 foram 79 os livros que li (o ano passado foram 81; talvez tenha atingido aqui um patamar de leituras possíveis em 365 dias, quando a vida é feita de tantas outras solicitações) e estas são as minhas principais reflexões sobre essas leituras.
PARA TODAS AS IDADES





Em quantidade, foram de novo os livros infantojuvenis que mais li este ano, 31 no total. Nesta categoria, cheia de pérolas para todas as idades, os meus preferidos foram:
“A gigantesca pequena coisa”, de Beatrice Alemagna, por me ter ajudado a combater a descrença no nosso destino colectivo, a renovar o olhar sobre o mundo, as coisas e as pessoas e a descortinar apontamentos de beleza nos momentos difíceis;
“Política para crianças”, de Mafalda Cordeiro e Rita Antunes, por me recordar que é fundamental nunca baixar os braços perante os abusos de poder e a opressão e que é na defesa dos direitos e liberdades fundamentais, no debate e na cooperação que surgem as condições para o progresso;
“O Meu Corpo”, de Elise Gravel, por, de forma leve mas assertiva, ajudar a aliviar complexos, sentimentos de vergonha ou vulnerabilidades em relação ao nosso corpo (quem não as tem?) e incentivar a valorização da singularidade e originalidade de cada um;
“O Pai Natal não vive no Polo Norte”, de Afonso Cruz e com posfácio de Joana Bértholo, por recusar esquecer todas as contradições que a quadra natalícia encerra, especialmente no que diz respeito ao consumo desenfreado de produtos produzidos em contextos amorais (muitas vezes por crianças escravizadas) e cuja manufactura desregulada e transporte ajudam a agudizar o drama da emergência climática;
“Problemas de Pinguim”, de Jory Jonh e Lane Smith, que, com o seu sentido de humor, ajudou a aliviar a minha zanga com o mundo e uma tendência para a misantropia, ao mesmo tempo que reforçou a minha ligação à natureza e relativizou alguns dos meus “problemas”.
FICÇÃO





Os meus dias foram preenchidos por 21 livros de ficção, desde um par de clássicos americanos publicados no século XIX, aos romances mais recentes. Deste conjunto, os meus preferidos foram:
“Pequenas coisas como estas”, de Claire Keegan, que entrou com fulgor para a categoria dos livros da minha vida pelo exemplo poderoso do personagem principal, Bill Furlong, um homem atormentado pela injustiça e que, contrariamente aos outros membros da sua comunidade, decide agir;
“O Físico”, de Noah Gordon, um romance histórico e bestseller dos anos 80 há muito esgotado nas nossas livrarias, que tem outro protagonista que me disse muito — Rob Cole, um homem curioso, aventureiro, humanista, estudioso, persistente, justo, espiritualmente ecuménico — e que, ainda por cima, me levou de volta à Pérsia e à belíssima cidade de Isfahan;
“O Despertar”, de Kate Chopin, publicado em 1899 e gerador de grande controvérsia, por dar voz a inquietações feministas e fazer uma crítica aos papéis de género, à imposição da maternidade, aos constrangimentos sociais e às enormes frustrações por elas suscitadas. À luz da época, a rebeldia de Edna Pontellier é comovente e inspiradora, e esta é outra personagem que caminhará comigo para sempre;
“Uma Brancura Luminosa”, de Jon Fosse, uma verdadeira trip literária! que envolveu, até, uma certa sensação de falta de ar durante a leitura. Sobre o que é o livro? Bem, pode ser sobre procrastinação, desorientação ou apatia. Pode ser sobre um sonho ou uma experiência de (quase) morte. Pode ser, também, sobre uma viagem espiritual. Leiam e digam-me, depois, sobre o que acham que é este pequeno romance (apenas 56 páginas);
“Três”, de Valerie Perrin, por causa das referências a uma França do início dos anos 80 que conheci tão bem, nomeadamente a músicas, filmes, séries, figuras públicas e hábitos de vida que me fizeram viajar no tempo. Reconheço que quem não tenha esta experiência possa não alcançar camadas do texto e do ambiente criado pela autora, que contribuíram de forma determinante para que eu gostasse muitíssimo deste livro.
NÃO FICÇÃO





Nesta categoria, foram 21 os títulos lidos e cobriram várias áreas do conhecimento — filosofia, política, literatura de viagens, biografia, poesia, entre outros. Estes foram os meus preferidos, mas a escolha não foi fácil:
“A crise da narração”, de Byung-Chul Han, que distingue a verdadeira narração de histórias, aquela que agrega comunidades e torna o tecido social mais coeso e saudável, do storytelling, que o autor diz ter sido feito refém de uma lógica capitalista para vender produtos, pessoas ou ideias, fazendo do ser humano um mero consumidor isolado na frente de um ecrã. Fundamental para quem se interessa pela biblioterapia;
“A revolução das plantas”, de Stefano Mancuso, que me permitiu acumular conhecimento novo sobre estes seres extraordinários (quem me conhece bem e priva comigo sabe que adoro plantas, que tenho muitas e que não me canso de fazê-las reproduzir-se, ou comprar mais e cuidar delas), muito mais resilientes que o ser humano e sem os quais não poderemos nunca viver. O autor defende, aliás, que as plantas são tão fundamentais para a humanidade que a conquista e a colonização do espaço nunca acontecerá enquanto não as soubermos cultivar para lá do nosso planeta;
“Sabedoria”, o meu primeiro livro lido em 2024, um tratado de quase 500 páginas sobre o estoicismo romano, vivido na prática e não apenas apregoado na teoria, que me apaziguou sempre, nomeadamente face à limitações impostas pelo braço direito partido e engessado até meados de Fevereiro. Foi, ainda, uma leitura divertida, porque Onfray tem um sentido de humor que não censura. O meu exemplar ficou todo anotado, todo sublinhado, todo feito meu;
“The Library – A fragile history”, de Andrew Pettegree e Arthur der Weduwen, outro calhamaço de extraordinária qualidade sobre a história universal das bibliotecas e a relação da humanidade com os livros – a cobiça, o coleccionismo, a vaidade, o roubo, o medo, a perseguição, a destruição, o elitismo e a democratização do acesso aos livros, às bibliotecas e à leitura. Lê-se como um romance;
“Caminhar – Uma filosofia”, de Frédéric Gros, incontornável para quem, como eu, gosta de caminhar (percorri a pé 1355 km em 2024) nos mais variados contextos e com os mais variados objectivos – fazer exercício, relaxar e evadir-se, desbloquear processos criativos ou pensar e organizar as ideias. E contribui enormemente para o reforço da nossa cultura geral porque são muitas as obras sobre o tema que são referidas, assim como as personalidades históricas apaixonadas por caminhar e como isso se refletiu nas suas vidas pessoais e profissionais. A relação entre caminhada e natureza é um eixo central do texto, outro ponto forte para mim.
ÁLBUNS ILUSTRADOS / NOVELAS GRÁFICAS / BD





Em 2024 li, pela primeira vez, livros suficientes para inaugurar uma categoria nova nestes balanços anuais das minhas leituras. Aqui os meus preferidos foram:
“Mulher, vida, liberdade”, coordenado por Majane Satrapi, um livro que é uma obra de arte e um manifesto político contra a obrigatoriedade do hijab e outras barbaridades impostas aos corpos e às almas das meninas, das jovens e das mulheres iranianas. Se quiserem saber mais sobre a sociedade contemporânea iraniana, sobre a repressão a que está sujeita e sobre a forma como os jovens — mulheres e homens — canalizam a sua revolta em prol da mudança, este é um excelente livro;
“Jim”, de François Schuiten, levou-me às lágrimas — é um delicadíssimo tributo do autor ao seu cão e ao amor que lhe tinha, transformando a dor da saudade em gratidão pelas alegrias partilhadas e pelas memórias felizes. Ajuda a valorizar o momento presente e os prazeres simples;
“Aqui”, de Richard McGuire, lido na recta final do ano, é uma obra desconcertante, algo como eu nunca tinha lido. Esta novela gráfica, escassa em textos, é constituída quase exclusivamente por imagens que mostram o canto de uma sala em diferentes períodos históricos e brinca, assim, com a nossa noção da passagem do tempo, remete-nos para a nossa efemeridade, para a impermanência das coisas e para uma reflexão sobre a relação entre espaços, pessoas, objectos e mudança;
“Léa não se lembra como funciona o aspirador”, de Eric Corbeyran e Gwanjo, outra novela gráfica, desta feita sobre as subtilezas da violência doméstica e dos quadros de sofrimento, solidão e abandono nas relações íntimas. Um álbum que nos sensibiliza para estes fenómenos, imbuindo-nos, também, de sentimentos de solidariedade, resiliência e coragem;
“Mafalda – Feminino singular”, de Quino, uma selecção das tiras de pendor feminista protagonizadas por Mafaldinha e os seus amigos. Suscita gargalhadas ao mesmo tempo que ajuda a combater tiques patriarcais, e acicata o espírito reivindicativo e contestatário face a atitudes bafientas. Pura quinoterapia!
A seguir, partilho as capas de todos os outros livros lidos:
Em resumo, foi um ano feliz no tocante a leituras e é com muito prazer que as partilho na íntegra convosco (ao longo do ano vou falando de algumas leituras no Instagram e no Facebook, mas nunca com tanto detalhe). Espero que esta lista vos sirva de inspiração para futuras escolhas de livros. As caixas dos comentários ficam à vossa disposição para me contarem que títulos marcaram o vosso ano de 2024. E façam-me sugestões de leitura, por favor. São sempre muito bem-vindas!
Obrigada por estarem aí desse lado e por lerem o que vou partilhando no blogue d’a abiblioterapeuta. Espero que 2025 vos traga tudo aquilo que mais desejam e, claro, muitos livros também. Bom ano!
Sandra





























































Olá Sandra, Sigo o seu trabalho e o que escreve já desde o tempo de quando fotografava leitores! 🙂
Recentemente tive contacto com o escritor Joel Dicker pois ofereceram-me Um Animal Selvagem por ocasião do último Natal. E que livro! A escrita que nos agarra, o enredo que se vai desenvolvendo sem “tempos mortos”, as reviravoltas e o final que não esperamos e nos apanha de surpresa! Fiquei tão fã que tive de comprar logo A Verdade do Caso de Harry Quebert pelo Trade Stories e que já comecei a ler.
Fiquei mesmo fã do autor!
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