Casais que leem são mais felizes

Há umas semanas, a habitual newsletter do projeto “The Book of Life”, que tem Alain de Botton como mentor, incluiu um texto delicioso sobre o prazer que ler juntos na cama proporciona aos casais. Defende o texto que este é um ato “modesto, confortável e doce (…) um prazer que a nossa sociedade é congenitamente propensa a ignorar e a não respeitar (…) Pode não ser glamouroso, mas ser capaz de ler na cama com alguém é um marco histórico e um sinal de profundo afeto.”

O meu primeiro impulso foi investir numa tradução livre do texto para poder partilhá-lo com todos aqueles que não dominam o inglês e se veem lamentavelmente privados de um argumentário tão simples, poético e inspirador em prol da leitura. Mas depois, decidi investigar primeiro o que já poderia ter sido escrito sobre esta matéria — a leitura em casal, na cama ou fora dela, em silêncio ou em voz alta, e as suas vantagens — em língua portuguesa.

E o que descobri surpreendeu-me, porque para além de se ter pensado e escrito muito pouco sobre o assunto em português, a maioria dos textos disponíveis em blogues e vlogues são oriundos do Brasil e têm quase todos um pendor cristão e/ou evangélico que, no meu entender, se exacerba na hora de recomendar os livros para ler a dois. Nada tenho a objetar quanto a isso, que fique claro, mas temo que uma abordagem ao assunto a partir dessa premissa arrisque ser pouco abrangente, quer no reconhecimento dos benefícios da leitura em casal, quer nas leituras a fazer, porque há mais para além da Bíblia e dos seus derivados, ou mais do que livros de autoajuda focados exclusivamente nas dinâmicas dos casais heterossexuais.

É bom que se diga, no entanto, que a pesquisa online em francês ou espanhol sobre este tema foi ainda menos frutífera do que a pesquisa em português. Identifiquei dois ou três artigos de opinião, nada mais. Nestes idiomas, a leitura a dois aparece quase exclusivamente como uma mera alínea na lista de atividades dos casais de sucesso, ou na lista de recursos para salvar relações em crise. Sem surpresas, são os investigadores, os escritores e os leitores de língua inglesa que, neste domínio, estão na vanguarda.

Com base nas leituras que tenho vindo a fazer, nas minhas aprendizagens recentes como biblioterapeuta, nas reflexões expostas em textos já aqui partilhados e também nalguma experiência pessoal, proponho-vos que me acompanhem na exploração das virtudes da leitura em casal, com ênfase nos afetos e no intelecto.

O que a seguir descrevo não implica, necessariamente, que os membros de um casal leiam o mesmo livro em simultâneo e no mesmo lugar, ou que um leia em voz alta para o outro. Do ponto de vista biblioterapêutico esses seriam os cenários ideais. Mas todos sabemos o quanto o ideal pode esbarrar com a vida real, onde é mais provável aproveitarmos a hora de almoço ou o tempo passado nos transportes públicos para pegarmos solitariamente num livro. Digamos que já será muito bom se ambos lerem regularmente, ainda que livros diferentes e em momentos diferentes. Estou certa que, volta e meia, conseguirão conversar sobre o que estão a ler e até coincidir no lugar onde escolhem ler: numa esplanada, num areal à beira mar, no sofá da sala ou aninhados na cama. E este já é um bom ponto de partida.

INTELECTO

Entre parceiros amorosos, a inteligência é um fator inegável de atração.

Não é por acaso que quem atribui valor ao ato de ler e lê regularmente procura avaliar o intelecto do (potencial) parceiro ou parceira espreitando os livros que arruma nas prateleiras ou pousa na mesa de cabeceira. Os leitores sabem que o que alguém lê diz muito sobre si — podemos, por intermédio dos livros, confirmar “suspeitas” ou descobrir facetas surpreendentes. É uma forma de perceber claramente, ainda que com subtileza, com que conteúdos anda a outra pessoa a alimentar o seu cérebro e a sua alma e de compreender, também, até que ponto convergem nos seus gostos culturais, valores, atitudes, prioridades na vida e visões do mundo.

E mesmo que se conclua que divergem bastante, sentir-se intrigado pelos gostos e paixões diferentes do outro pode funcionar como fator de aproximação, porque afinal o mais comum é gostarmos de pessoas que nos estimulem, nos inspirem, nos levem a descobrir coisas novas e a ir mais além nas nossas capacidades intelectuais.

Os leitores regulares expandem o seu conhecimento porque aprendem constantemente, tornam-se mais cultos e esclarecidos, adquirem maior capacidade de reflexão e desenvolvem um pensamento analítico e crítico. Se os membros de um casal lerem regularmente, todos estes “efeitos colaterais” da leitura convergem a favor da relação, no mínimo porque as conversas entre ambos se tornam, com certeza, mais interessantes.

De maneira mais imediata, ler e conversar sobre o que se leu é uma forma de entretenimento, mas num plano mais profundo a troca de ideias, pensamentos e sentimentos a propósito do que se leu aproxima as pessoas. E se, na melhor das hipóteses, ambos conseguirem coincidir no que estão a ler, as conversas sobre essa mesma leitura podem deixar patente o quanto um mesmo assunto é passível de ser observado de ângulos diferentes e estimular respostas intelectuais distintas. Ler permite aos casais entender que o mundo não é só preto e branco, que não é preciso coincidir em tudo para que a relação funcione, e que a exploração conjunta das muitas áreas cinzentas da vida os capacita para lidar com desafios e obstáculos que podem afetar a relação.

As conversas entre membros de casais que leem beneficiam, ainda, de um vocabulário mais rico e saudável. Ler regularmente ajuda a diminuir o fosso enorme que existe por vezes entre aquilo que sentimos e pensamos e o que realmente dizemos. Dispormos de um vocabulário mais abrangente permite escolher as palavras exatas e expressar corretamente emoções e intenções. Permite, no fundo, comunicar de forma mais eficaz, o que diminui o risco de mal-entendidos.

É preciso considerar, ainda, que a eficácia desta comunicação em casal resulta também de uma outra consequência de ser ler com regularidade: a capacidade de foco e concentração. Pegar num livro e ler extensivamente durante quarenta e cinco minutos ou uma hora treina a habilidade de não nos distrairmos e dispersarmos. Sabem aquelas conversas em que começamos por falar de uma coisa e quando damos por nós estamos a discutir algo completamente distinto? Têm presente o quanto isso é frustrante e esgotante? Pois bem, os casais leitores correm um risco menor de cair nesse erro.

O vocabulário mais rico e os conhecimentos mais vastos são igualmente benéficos para as conversas mantidas com outras pessoas. Em eventos sociais ou quando inseridos em grupos maiores, os casais leitores não só são mais interessantes e sedutores, como sabem apoiar-se mutuamente nas trocas de argumentos em torno de um assunto.

Por fim, ainda no campo do intelecto, nunca é demais recordar que quem lê regularmente tem uma melhor saúde mental: os níveis de stress são reduzidos, dorme-se melhor, diminui-se o risco de doenças degenerativas do cérebro e aliviam-se sintomas de depressão. Logo, os casais leitores são mais saudáveis.

AFECTO

A ponte entre os benefícios intelectuais e os benefícios emocionais da leitura em casal estabelece-se sem mistérios. Já o disse anteriormente, ler torna-nos mais inteligentes (e a inteligência é sexy!), garante tempo de qualidade (sem ecrãs e sem interrupções), potencia conversas interessantes, permite ver os nossos interlocutores para além do que aparentam à superfície, revela outras visões do mundo e aproxima-nos uns dos outros, isto é, catalisa os vínculos afetivos e fortalece as relações.

Os casais que leem o mesmo livro, que leem juntos livros diferentes ou que são, tão só, leitores assíduos terão mais hipóteses de sucesso na sua relação não apenas porque partilham um hobby — um elo comum que os torna mais fortes —, mas também porque se acham mutuamente atraentes, apreciam a companhia um do outro e apostam na construção de memórias, ideias e opiniões partilhadas.

Ler e conversar sobre o que se lê é, para além de uma experiência intelectual, uma experiência emocional e espiritual forte e uma das atividades que mais potencia a intimidade entre os casais — um dos pilares do amor. E essa intimidade, criada a propósito de leitura, extravasa para outros aspetos da vida em casal, nomeadamente o sexo. Experimentem ler juntos na cama. Os casais que têm o mesmo horário para se deitar à noite têm mais oportunidades de envolvimento sexual. Aconcheguem-se um no outro, peguem nos livros e descubram uma nova dimensão de preliminares.

3 thoughts on “Casais que leem são mais felizes

  1. Gratidão pelo artigo. De fato há pouco conteúdo em português sobre este tema.
    Tenho uma amiga, cujo casamento anda em crise, que é leitora voraz e me propôs uma leitura a dois de “Torto Arado”. Creio que o marido não consegue acompanhá-la nas viagens literárias e ela precisa recorrer a outras parcerias.
    Já que nunca li em dupla com alguém, a curiosidade me levou à pesquisa de tal hábito e acabei aterrissando por aqui. 😇

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